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O DIREITO NATURAL, SANTO TOMÁS DE AQUINO E O DIREITO QUÂNTICO

Nos estudos do Direito Natural, uma das figuras mais importantes é a de Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274), conhecido como um doutor em teologia, católico italiano cujas obras tiveram inquestionável impacto na filosofia moderna e no direito. Muitos o consideram o mais importante estudioso clássico da teologia natural.

Nesse passo, o ilustre professor José Pedro Galvão de Souza, em sua obra Dicionário de Política (São Paulo: T.A. Queiroz, 1998), preparando a menção a Tomás de Aquino, apresenta o verbete Direito Cristão, em que é demonstrado que a perfeição humana, em relação ao universo jurídico, não decorre de uma mera evolução social, mas vem da Redenção operada por Cristo, com a vida nova da graça, mediante a qual “o direito natural é assegurado na sua plenitude”.

Explicando melhor, o aludido professor cita o Direito Natural como sendo conhecido pela luz da razão, não sendo necessariamente proveniente de uma revelação divina, e não bastando como regra de vida, pois precisa do Direito Positivo para atender às condições de vida do homem em sociedade. Falando em positivismo, existe também a lei positiva divina, que ordena o homem para sua finalidade última sobrenatural.

A esta altura, José Galvão menciona Santo Tomás, afirmando que o Doctor Angelicus – um dos títulos do aquinate[1] – mostra a lei nova trazida pelo Evangelho – sendo que tal lei já havia sido prefigurada pelo Antigo Testamento – consistindo especialmente na graça do Espírito Santo dada pela fé em Cristo (Summa Theologica, Ia. IIae., q.91, arts. 4º e 5º, e q. 106, art. 1º).

Destarte, a lei divina posta reforçaria a lei natural, “dando ao homem o conhecimento seguro de seus princípios, que, embora conhecidos pela razão, podem ser nesta apagados em consequência do pecado, que a obnubila. A Revelação permite conhecer com mais firmeza verdades acessíveis à razão; da mesma forma, a lei divina positiva confere maior segurança na apreensão dos preceitos da lei natural”.

Recordando, como direitos naturais primários teríamos o viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu, evitar o mal e fazer o bem, dentre outros. Como o homem tende à própria conservação, percebe-se o direito à vida desde a concepção até a morte natural com a velhice; como os demais seres vivos aptos a reproduzirem-se, o ser humano tem direito à constituição da família, bem como os pais têm direito à educação dos filhos. O ser humano tem direito ao conhecimento da verdade, à vida social e às liberdades legítimas, com responsabilidade. Some-se a estes direitos o relativo à propriedade privada e muitos outros que são rememorados, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

É a Graça de Deus que permite ao homem e à mulher a compreensão da profundidade do verdadeiro significado de Justiça, do dar a cada um o que lhe pertence, e mesmo do conceito de Justiça Social.

Com foco nestas ideias, encontramos a recém-lançada obra Odisseia do Direito Quântico (São Paulo: Max Limonad, 2023), em que os Lógicos e Filósofos do Direito Quântico Ricardo Sayeg, Willis Santiago Guerra Filho e Wagner Balera apresentam o melhor e mais atualizado estudo sobre o tema, sob diversas inspirações, dentre as quais se destaca a obra de Goffredo Telles Júnior, O Direito Quântico (São Paulo: Max Limonad, 1970).

O livro atual é prefaciado por muitas personalidades ilustres do mundo jurídico, e no prefácio do Ministro do Supremo Tribunal Federal André Luiz de Almeida Mendonça – que suscita o aprofundamento necessário na leitura da obra -, o objetivo da Odisseia é revelado desta forma:

“… o que disponibiliza ao leitor é uma singular, genuína e promissora metodologia sistematizada de análise, interpretação e aplicação do direito, ancorada em pressupostos teóricos autorizados da física, da lógica, da filosofia e de outros campos do saber humano. Propõe-se a somatória sistêmica desses elementos como receita prática para o adequado enfrentamento dos muitos desafios da contemporaneidade, a fim de construírem-se soluções que, a um só tempo, sejam legais, humanistas e pragmáticas. É assim que se constitui a instigante perspectiva da consubstância quântica do direito”.

Por seu turno, no capítulo 6, folha 163, a presença do elemento espiritual na esfera jurídica é demonstrada de forma patente:

“O mandamento universal da vida digna para todos é a mais pura manifestação de Deus, prova da sua existência como Senhor da criação e Pai fraterno; que, assim, em razão de seu sopro outorgado aos humanos, é de se reconhecer força suprema à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos.

Os direitos humanos representam a secularização jurídica do sopro da vida; enquanto a dignidade da pessoa humana é a secularização jurídica da alma, que é o veículo de conexão com Deus, Senhor da força suprema”.

Conclui-se que os mais avançados estudos jurídicos na seara do Direito Quântico incluem o conceito tomista de que a lei divina posta reforçaria a lei natural, havendo uma interrelação entre elas, uma clara interdependência.

E isto traz consequências e responsabilidades relacionadas ao próprio senso de Justiça e ao modo prático de aplicá-la, de forma verdadeira e ontologicamente imparcial.

O dar a cada um o que é seu, desde Ulpiano até Santo Tomás, fica revestido de renovado significado quando a dimensão espiritual é lançada sobre o ator do direito.

Não por outra razão, a Odisseia também se apresenta como um alerta frente ao desenvolvimento de uma inteligência artificial onde o fator humano tende a desaparecer, dando lugar a uma tecnocracia fria e sem sentido dos valores que marcam a própria existência do ser humano.

É justamente para o resgate dos valores essencialmente cristãos que o Direito Natural, Santo Tomás de Aquino e o Direito Quântico dialogam entre si e com toda a sociedade. Pois, sem tais valores, não pode haver efetiva ou duradoura Justiça.

 

Dávio Antonio Prado Zarzana Júnior

Presidente da Comissão de Direito Natural e das Relações Sociais da 116ª Subseção da OAB/SP

[1] Título dado por vezes ao Santo, ou ao conjunto de sua obra.

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