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John Locke, a tábula rasa e o nosso protagonismo

Como você está se conduzindo na sua própria tábula?

Dentre os maiores nomes do Direito Natural, encontramos o filósofo inglês John Locke, que viveu entre 1632 e 1704, sendo conhecido por muitos como o “pai do liberalismo” e importante figura do “empirismo”, tendo enfrentado  – a exemplo de outros pensadores como Rawls, Hobbes e Rousseau – a questão do “contrato social”, todos temas que poderão ser estudados em análises posteriores desta Comissão.

Para o presente texto, abordaremos uma ideia defendida pelo famoso autor, denominada de “Tábula Rasa”, presente em seu  Ensaio acerca do Entendimento Humano, de 1690. Segundo esta ideia – em ligeiríssimo resumo -, as pessoas nasceriam sem conhecimento algum (com a mente se comparando a uma folha em branco, ou uma tábula rasa), e todo o processo do conhecer, tanto do saber quanto do agir, é desenvolvido através da experiência. Como se a consciência fosse desprovida de qualquer tipo de conhecimento inato.

Como é cediço, as tábulas eram as tábuas cobertas com cera, utilizadas na Roma Antiga para escrever, por meio de incisões sobre a cera com algum tipo de instrumento cortante

Não se trata aqui de afirmar nossa concordância ou discordância com esta linha de pensamento lockeano. De fato, é verdade que Locke influenciou muitos outros autores e estudiosos com sua “tábula”. A crítica ao seu posicionamento é inerente à própria essência do Direito Natural: há coisas que independem da experiência para levaram o ser humano a agirem nesta ou naquela direção, seja do ponto de vista ético, seja do ponto de vista da própria consciência sobre aquilo que é certo ou errado. O processo de conhecimento, destarte, estaria intimamente ligado a ações daquele derivadas.

A expressão “folha em branco” é capaz de nos remeter, inadvertidamente, a outras questões e a autores famosos. Por exemplo, John Ronald Reuel Tolkien, o escritor britânico que viveu entre 1892 e 1973, criador das obras O Hobbit e O Senhor dos Anéis, em um determinado momento do primeiro livro da trilogia (A Sociedade do Anel), faz com que o mago Gandalf diga a seguinte frase ao hobbit Frodo, em tradução livre: Tudo o que temos a decidir é o que fazer com o tempo que nos é concedido.

Aqui, para além da tábula, se por um lado a experiência a preenche, segundo Locke, por outro lado Tolkien recorda que cabe a nós escolher como preencher a tábula. E isto tem um significado deveras espiritual, com consequências práticas e até políticas.

Outro ilustre escritor, o irlandês C. S. Lewis (1898 – 1963), amigo de Tolkien, em uma de suas obras, Mero Cristianismo ou Cristianismo Puro e Simples (1952 – Quadrante, 1997, p. 168), pondera o seguinte com relação ao tempo:

“Se imaginarmos o tempo como uma linha reta ao longo da qual temos que avançar, deveremos imaginar Deus como a folha inteira na qual essa linha foi traçada. Percorremos uma a uma as partes dessa linha; temos de deixar o ponto A para trás antes de chegarmos ao ponto B, e não podemos alcançar C sem deixarmos B para trás. Deus, de cima ou de fora ou ao redor de tudo, contém a linha inteira e a vê toda de uma vez. […] Em certo sentido, Deus não conhece as nossas ações enquanto não as tivermos praticado, mas o momento futuro em que as praticarmos já é “agora” para Ele”.

Então, a reflexão sobre a ideia da tábula nos leva à seguinte pergunta: se ela será preenchida por nosso mover no tempo e no espaço, de forma responsável, como saberemos a direção a tomar, nos dias atuais, cada vez que formos impelidos à escolha entre diversas possibilidades de ação? Quais valores pautam nosso critério de escolha e de julgamento?

Nosso agir, em resposta ao questionamento feito acima, se nos é permitido o aconselhamento, deverá ser pautado não apenas por observância à questão ética, como apontada alhures, mas por um contínuo reforçar dos valores cristãos que moldaram a civilização ocidental, e dos quais exsurgem os mais basilares direitos naturais. Não devemos nos contentar com a mediocridade passiva do acordar, tomar café, trabalhar, alimentar-se, descansar, divertir-se e dormir. Nossas ações devem ser transformadoras, à luz do que ensina a consciência iluminada por Cristo.

É nesse sentido que todos devemos nos tornar protagonistas de nosso tempo, em atos que suscitem, inclusive, a preservação de tudo aquilo que nos torna verdadeiramente humanos, conservando inabalável a luta contra as forças do mal espalhadas nos ares, forças que se empenham, dia e noite, em fazer-nos esquecer que somos livres para escolher o bem e a justiça sempre.

Tollitur quaestio.

De resto, fica ainda a pergunta:

Como você está se conduzindo na sua própria tábula?

Dávio Antonio Prado Zarzana Júnior
Presidente da Comissão de Direito Natural e das Relações Sociais da 116ª Subseção da OAB/SP – Jabaquara/Saúde

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