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A lei de proteção de dados e os tribunais eclesiásticos

A recente Lei n. 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), tem suscitado algumas dúvidas no que tange à atividade dos tribunais eclesiásticos. Em que medida as cortes canônicas devem se precaver quanto à proteção dos dados das pessoas físicas que, de uma forma ou de outra, participam dos processos, sobretudo nas causas de nulidade de matrimônio? Assim, pensamos nas partes, principalmente no polo passivo (demandado ou demandada), e também nas testemunhas.

 Em primeiro lugar, é importante afirmar que os processos judiciais canônicos não se enquadram nos parâmetros do que se entente por “cumprimento de obrigação legal”, hipótese que facultaria o tratamento de dados, conforme se depreende da leitura do artigo 7.º, inciso II da LGPD. Por quê? Simplesmente porque, ao contrário da tese que alguns têm equivocadamente defendido, nem o código canônico nem quaisquer leis canônicas esparsas têm força de lei no Brasil. O Estado é laico. Quando muito, o código canônico é recepcionado como estatuto de pessoa jurídica.

Em minha opinião, os tribunais eclesiásticos, contudo, podem realizar o tratamento de dados pessoais, sem formalidades específicas (autorizações por escrito, por exemplo), em virtude de o labor jurisdicional implicar o “exercício regular de direitos”, consoante expressamente reza a LGPD. Vejamos o teor da lei: “Artigo 7.º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: (…) VI. Para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo, arbitral (…)”.

O processo judicial canônico perfaz a condição do artigo 7.º, VI, ou seja, “exercício regular de direitos”, não apenas por ser análogo ao processo judicial do Estado, mas, precipuamente, por encontrar-se o processo canônico chancelado e prestigiado pelo artigo 12, §1.º do Acordo Brasil-Santa Sé (Decreto 7.107/2010). Este pacto diplomático, sim, goza de força de lei e prevê a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologar uma sentença eclesiástica em matéria matrimonial. Vale dizer, o Estado, oficialmente, reconhece a natureza jurisdicional do trabalho executado nas causas afetas ao sacramento do matrimônio, tanto assim que confirma as sentenças exaradas nessas demandas, desde que ratificadas pela autoridade judiciária máxima da Igreja.

Edson Luiz Sampel
Advogado. Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª Subseção da OAB-SP.
Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.
Juiz adjunto do Tribunal Eclesiástico de Uberaba.

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