Pular para o conteúdo

A Ética e a Ética na Advocacia

A Ética e a Ética na Advocacia

Por Carlos Henrique Terçariol Bergonso

É com enorme satisfação que fui convidado a contribuir com a linda e inovadora Revista Digital da ESA da cidade de Ourinhos, uma cidade importante do interior Paulista, que tive a satisfação de morar por anos, fazer grandes amizades que carrego para a vida toda, e, ainda tenho raízes da minha família encravadas nestas terras férteis.

Satisfação ainda maior, ao saber que fui convidado a tratar de um tema que amo e lido diariamente nas minhas atividades profissionais, a Ética aplicada à advocacia.

Para quem não me conhece, sou natural de Palmital/SP, moro em São Paulo, Capital há muitos anos, sou Defensor Público e Advogado atuante há mais de 20 anos, Especialista em Direito Civil e Processo Civil, esta última pela Universidade Mackenzie, Palestrante e Relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB – São Paulo, e membro de várias comissões de estudos na própria OAB/SP – Subseção do Jabaquara-Saúde.

Somos seres sociais desde que nascemos, e, portanto, temos a Ética presente em nossas vidas desde os primórdios da nossa existência.

Ética, advém da palavra grega éthos, que significa modo de ser, ou seja, propriedade do caráter.

Moral, estabelece regras, e cada pessoa tem o dever de assumi-las para viver bem consigo mesmo e com os outros. A Moral vem do latim “mores”, significando costumes – bons costumes e boas maneiras.

Em sentido amplo, Ética é o conjunto de valores morais e conhecimentos racionais, a respeito do comportamento humano. Seriam os princípios que norteiam a conduta humana na sociedade.

Já a Ética profissional, é aquela constituída por princípios da conduta humana que define diretrizes ao exercício de uma profissão. Toda profissão tem um controle estatal, exigindo que todos atuem submetidos a algum controle moral, normalmente consagrado por um código de ética que está sujeito a fiscalização. Código é o conjunto de regras, normas de conduta, direitos e deveres, que os profissionais estão obrigados a respeitar.

Ética, em uma definição bem singela, mas que amo citar, nada mais é que praticar diariamente a empatia para com o próximo. Quando estamos pensando em como determinado ato irá atingir o próximo, pensamos de forma Ética, entretanto, muito mais importante que pensar, é agir, pois quando de fato exercemos uma atitude nos preocupando se isto não irá atingir de uma forma negativa o nosso semelhante, aí sim, estamos exercendo a Ética.

Entretanto, somente exercemos ela na sua verdadeira amplitude, quando de fato praticamos uma atitude, e nos preocupamos que ela chegue até o próximo de uma maneira positiva, que possa contribuir de alguma forma para que agregue algo verdadeiramente bom ao nosso semelhante.

O mundo seria tão melhor se todos exercessem a empatia (Ética) de forma verdadeira e habitual. A verdade é que não basta tão somente não fazer o mal, e sim, buscar a todo instante fazer e exercer o bem. Como dizia Martin Luther King “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Agora, quando pensamos que no exercício de certas profissões que desempenham papéis mais importantes na sociedade, e a advocacia certamente é uma delas, nosso dever aumenta naturalmente.

Algumas profissões exercem um poder que atinge diretamente o comportamento humano perante a sociedade.

Afinal de contas, nós “advogados somos indispensáveis à administração da justiça”, conforme prevê nosso Estatuto de Ética e Disciplina, logo em seu artigo 2º (tanto do Estatuto da Advocacia e da OAB, quanto do Código de Ética), e o Poder Judiciário é aquele responsável direto por dar segurança e proporcionar ordem em uma sociedade.

Tamanha a responsabilidade, considerando que somos nós advogados a única “ponte” existente entre o cidadão comum e as autoridades. Nosso dever mandamental de fiscalizar a Justiça é muito grande e deve ser pesado por todos aqueles que a exercem. Pesado, não para inflar egos, e sim, muito pelo contrário, para entender o “fardo”, lindo é verdade, que carregamos em prol de uma sociedade melhor e mais justa.

Somos a única entidade de classe agraciada por uma Lei Federal, e, portanto, devemos honrá-la. Nosso Estatuto e Código de Ética e Disciplina é o nosso mandamento maior, e, devemos, não só o seguir, mas sim zelar pela sua aplicação.

Ainda no artigo 2º, em seu parágrafo 1º, está muito claro que o advogado em seu ministério privado, “presta serviço público e exerce função social”. E, no § 2º declara que “seus atos constituem múnus público”.

A importância da função social do advogado o coloca em uma posição de responsabilidade Ética e moral muito grande, vez que estamos diretamente ligados à sociedade, e, portanto, nossos atos e atuações, não só como profissionais, mas enquanto cidadãos conscientes de direitos que somos, podem influenciar em algum nível que seja diretamente a sociedade para o bem ou para o mal.

A manutenção do Estado Democrático de Direito depende muito da forma e de quão intensamente nós advogados fiscalizamos o Poder Judiciário, Legislativo e Executivo.

Advogados que somos, lidamos diretamente com o cidadão, e com todo tipo, e classe social. Desde o cidadão de bem, se é que posso ter a ousadia de tecer um comentário e uma definição e ou rótulo do que seria “o cidadão de bem”, mas também o cidadão que está diretamente envolvido na criminalidade e ou às margens de ingressar nesta.

E a forma como atuarmos na defesa dos seus interesses, pode ser fundamental para influenciar e determinar a conduta futura destes cidadãos. Por meio da capacidade que os advogados possuem de conhecer as Leis e como elas se aplicam, que é algo bem diferente, diga-se de passagem, temos uma capacidade muito grande de determinar ou ao menos influenciar o futuro de muitos clientes após a passagem destes por nosso atendimento.

Por isto, que muitos dizem, e dizem com razão, que nós advogados temos um pouco de psicólogos, assistentes sociais e conselheiros. Verdadeiros conselheiros da vida real! E de fato somos conselheiros com propriedade para tal, ao menos no que diz respeito às questões judiciais ou extrajudiciais que permeiam a contenda judicial.

Como não citar as questões atreladas ao direito de família, que não se está lidando apenas com bens patrimoniais, e, sim, com bens que são muito mais importantes e significativos que estes, os familiares, e por vezes, seu bem maior para muitas pessoas, os filhos.

A Ética está presente nestas situações mais do que nunca. Acredito que todo operador do direito, incluindo Magistrados, Representantes do Ministério Público, Advogados, Assistentes Sociais, Psicólogos, Peritos, Servidores e Serventuários da Justiça, deviam ter um curso prévio, ou uma “espécie de residência”, a exemplo da medicina, onde se aplicasse diretamente os preceitos éticos e morais, para que somente assim pudessem atuar nestas áreas, que requerem tanto do nosso senso ético e moral.

Não é à toa que existem várias ferramentas paralelas atuando em favor do Judiciário no intuito de humanizar mais as pessoas que ali estão, como por exemplo, os mediadores, já há tempos inseridos no Poder Judiciários, para seu auxílio.

O recente Direito Sistêmico, que busca mais que qualquer outra coisa, senão o exercício da Ética, pois seus fundamentos estudados por Bert Hellinger (estudioso alemão do comportamento humano), propõe o exercício de se avaliar todo um sistema que existe ao entorno das relações interpessoais, visando entender, se apropriar, e olhar para questões que estão muito além daquelas compreendidas cotidianamente.

Posso citar como exemplo, questões e discussões intermináveis na Justiça, por vezes existentes em empresas familiares. São inúmeros os casos que devastam famílias inteiras, e por mais de uma geração, sendo que as questões ali envolvidas, na grande parte das vezes, vão muito além dos processos judiciais e das questões patrimoniais,

onde se precisa buscar um olhar muito mais amplo para todo um histórico familiar, para somente assim desembaraçar laços e emaranhados profundos.

Vivemos Ética em todos os ambientes e o Poder Judiciário, algo que tem na sua base de criação algo muito rígido, e retrógrado, por vezes, por assim dizer, está tentando também se adaptar às novas realidades humanas existentes.

Vivemos uma nova realidade muito mais globalizada, onde o poder de uma calúnia, injúria, difamação ou até mesmo de um simples bulling pode ser devastador na vida de uma pessoa se for praticado por meio de uma rede social, proporcionando danos imensuráveis, e que se arrastam para a sua vida toda.

Aliás, danos estes, que podem ultrapassar sua própria “vida”, quando pensamos que existe agora uma verdadeira “herança digital” a ser tratada, que vai muito além da sua própria morte.

O Código de Processo Civil de 2015, veio nesta toada buscando, mesmo que de forma singela, se adaptar aos tempos modernos, quando propõe artigos e princípios, como da cooperação das partes integrantes em um processo, que estabelece em seu artigo 6º que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

No momento que a Lei dispõe sobre maior cooperação, propõe, por um lado, maior liberdade de ação, e desta forma, propõe também muito mais responsabilidade no momento que o Juiz exerce seu poder de agir “de ofício” (princípio do impulso oficial), por outro lado, pode exercer sua função de forma mais autoritária, o que não seria bom, na visão de muitos. Ao meu ver, em tudo há prós e contras, mas entendo como positivas tais mudanças, não podendo deixar de citar, e caminhando neste mesmo sentido, o princípio da Verdade Real, mais utilizado nos preceitos do processo penal, mas também absorvido pelo processo civil. Questões essas, que necessitarão da uma conduta Ética mais severa. Uma tendência da doutrina moderna de permitir ao juiz uma posição ativa na colheita da prova, ampliando seus poderes na instrução da causa, autorizando ao magistrado uma maior iniciativa de apurar e determinar as provas que percebe relevantes, que passa a não mais caber, exclusivamente, às partes. Nosso CPC acolhe tal possiblidade, no art. 130: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligencias inúteis ou meramente protelatórias”.

Afinal, para que existe o Direito? Senão para manter a ordem na sociedade. E que ordem é esta, se ela for falseada por meio da utilização de lacunas legais ou estratégias processuais com o único fito de ludibriar a busca pela verdade.

Desta forma, se este não agir com razoabilidade mínima, outro princípio legal, que nada mais é que a aplicação do bom senso no processo, pode-se extrapolar os liames do que é legal, como por exemplo, ao determinar a produção de provas e ou a constrição de bens, muito além das requeridas, o que certamente poderá abrir uma discussão paralela ao objeto do processo, e por vezes, até mais penosa e desgastante.

Veja, a liberdade pode ser uma ameaça, se usada pelas mãos erradas, que são manuseadas por mentes que não buscam a verdade e a Justiça, e sim, a satisfação do ego e de suas vaidades pessoais na busca pelo poder.

O ser humano desde os primórdios, visa satisfazer suas necessidades básicas de subsistência, em segundo momento, satisfeito o básico, infelizmente, sai na busca desenfreada pelo Poder. E continua assim. E somente a Ética é capaz de frear esta evolução às avessas. O que adianta evoluir em poder e patrimônio, se não evoluir como ser humano, enquanto cidadãos que vivemos em sociedade, e, portanto, visando um bem coletivo e não individual.

A todo cidadão que é dado a ele a oportunidade de obter maior conhecimento, e conhecimento é Poder, é dado a ele também, a obrigação de lutar pelas diferenças sociais, pelos mais vulneráveis, pelos injustiçados, e no caso do advogado, esta relação de conhecimento e distribuição deste conhecimento se faz bem nítida.

Advogados defendem interesses individuais, sim, não somos imparciais como os Juízes, mas nunca devemos romper a barreira da Ética, sobrepondo de maneira desleal e injusto nossos interesses individuais, em desfavor dos interesses coletivos.

Utilizamos dos meios legais para obter uma vantagem ou uma vitória processual, mas não devemos esquecer do nosso dever mandamental, e que fora objeto de juramento quando recebemos nossa habilitação profissional para exercer a advocacia, conforme relembro abaixo, e que devemos constantemente renovar nosso maior juramento: “Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

Quando não alicerçamos nossas condutas em bases mínimas de valores e princípios, estamos fadados a nos tornarmos um “vagão desgovernado em cima de trilhos”. Pois bem, este juramento e nosso Estatuto da Advocacia e da OAB e o Código de Ética e Disciplina são nossos incontestáveis “trilhos”.

Trilhos estes, que são nossas linhas mestras que jamais devemos nos esquecer. Somos em primeira ordem seres humanos, em segundo ordem cidadãos brasileiros, e em terceira e última ordem advogados, fiscalizadores das Leis e da nossa Constituição.

O raciocínio é simples, quem são os criadores das Leis? Todos os cidadãos, dos mais simples aos mais afortunados. Pois as Leis advêm dos hábitos e costumes, formados pelas pessoas, e que posteriormente há de se normatizar estes hábitos e costumes por meio das Leis.

Assim, somos os fiscalizadores diretos da sociedade e de como os cidadãos irão ser se portar perante as Leis.

Somente os psicopatas não possuem uma consciência apurada para discernir o bem ou o mal. Ou seja, quanto maior o grau de psicopatia que existe em uma pessoa, menor a capacidade de se exercer a empatia.

Devemos cuidar da nossa saúde psicológica, uma vez que defendemos muito os interesses particulares e individuais e não os coletivos. Assim, reflitam! Será que não costumamos exercitar nosso cérebro em prol da empatia? Defender os interesses individuais sem conduta Ética, nos afasta do bem e até mesmo da sanidade moral e psicológica.

Podemos sim, atuar com bravura, de forma inviolável por seus atos, exigindo tratamento compatível com a dignidade da advocacia, com liberdade e independência, e sem receio ou destemor de desagradar a qualquer autoridade que seja, conforme os preceitos mandamentais (Art. 2º, § 3º; Art. 6º, Parágrafo único; Art. 7º, I; Art. 31, §§ 1º e 2º do EA/OAB e Art. 2º, Parágrafo único, I e II do CED), defendendo assim, os interesses individuais de nossos clientes, mas sem infringir os limites éticos e morais da honestidade e da boa-fé que cada um de nós devemos ter em nossa consciência interior.

Ter a certeza que fazemos o certo, sem ultrapassar os limites da honestidade, lealdade, boa-fé e da conduta digna que a profissão merece e exige.

Em uma analogia bem popular, podemos até “blefar” em uma mesa de pôquer, se a justificativa for a busca por verdade e justiça, mas trapacear e roubar nunca. Isto que nos transformará em cidadãos de bem ou do mal.

Nosso Estatuto e Código de Ética, que se aconselha ser usado como livro de bolso, é extremante eficaz para nos nortear e nos colocar de volta aos “trilhos” quando estivermos diante de uma dúvida do que fazer, do que é certo ou errado. Até mesmo para se ter bem claro quais são, não somente nossos deveres, mas sim nossos direitos e prerrogativas, que foram criadas para nos auxiliar no exercício da nossa profissão, propiciando maior autonomia e destemor, já que lidamos com autoridades com egos, por vezes, inflados, e, que perdem a noção dos seus limites de atuação.

Aconselha-se um envolvimento empático com os direitos do cliente, mas jamais ao ponto de prejudicar a sua própria atuação. Afinal, por que “cargas d`agua” somos desaconselhados a atuar em causa própria ou para entes muito próximos emocionalmente falando, e dependendo do que está sendo tratado? Para, justamente, não se perder a capacidade de discernimento e clareza na atuação.

Veja, existem tantos exemplos. Um clássico. Nunca prometa vitória ou êxito em uma ação especialmente judicial, salvo raríssimas exceções que tutelam sobre direitos objetivos, pois não é algo que está ao nosso alcance, depende de tantas pessoas e fatores, da parte contrária, do juiz, de diversas instâncias.

A partir do momento que existe uma promessa, especialmente com a nítida intenção de se obter vantagem na contratação do serviço, existe uma falta ética bem clara, e que automaticamente o coloca no meio do direito alheio, retirando do profissional toda a sua capacidade de clareza sobre a questão, dado o seu envolvimento direto.

O advogado, por vezes, dado a sua capacidade e experiência em determinado assunto ou com base em julgados, súmulas e jurisprudências, pode suscitar que o cliente tenha um “bom direito” ou um “direito ruim” a se perquirir, deixando o mais claro possível ao cliente quanto a sua visão de eventuais possibilidades de êxito ou não, baseado em critérios objetivos ou subjetivos, por vezes, mas jamais a promessa.

Até mesmo porque, o colega pode por vezes garantir o êxito da ação na sua fase de conhecimento, mas muita das vezes, não tem como garantir a real efetividade após o ganho da ação.

Exercemos a Ética também na advocacia, e de forma plena, quando por exemplo, presenciamos em uma audiência os direitos e prerrogativas do advogado da parte contrária, nossos “ex adversos” serem violados, e nos posicionamos a favor deste!

Devemos lembrar que não somo concorrentes, e sim colegas de classe! E quando alguém da nossa classe é atingida, todos nós perdemos! Por outro lado, devemos ajudar a zelar pela Ética na profissão, e não pactuarmos com colegas que agem de forma desleal ou até mesmo faltam na sua conduta juntamente com seus clientes.

Estamos vivendo em uma época que há um descrédito da profissão, e, portanto, devemos ficar atentos e vigilantes para que aos poucos, por meio de condutas Éticas e Morais elevadas, seja retomada a credibilidade da advocacia, que já teve seu auge em um passado não tão distante.

Pois é, desculpe-me se desapontei alguns, ser ético não é fácil. É o caminho mais longo às vezes, aquele que nem sempre provém resultados rápidos, e que não traz a satisfação prática imediata, mas certamente é aquele que traz a paz de espírito, ou para aqueles que não acreditam, dispensando qualquer associação religiosa ou doutrinária, é aquele que traz a paz moral, da sua profunda consciência.

Autor:

Carlos Henrique Terçariol Bergonso
Presidente da Comissão de Esportes e Integração Social
@henrique_bergonso 

[bookly-form]